segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Poço

Eu sou só um poço. Um poço com um fundo muito fundo. Cheio de coisas emboladas, imersas em uma água turva, inquieta. E nessas águas salgadas, de lágrimas, de suor talvez, é onde os sentimentos se perdem. É onde eu perco o rumo, o chão e a bússola. É onde a vida não aparece, só parece. Onde tudo que reflete é deformado, onde não há Narciso que se envaideça.
É lá que eu moro, é lá que eu me escondo, e é pra lá que eu vou sempre que eu procuro sem querer achar qualquer coisa que não sei pra que serve. Eu subo de lá, saio e reaprendo a respirar. Ando, ando, ando, e quando os pés me doem e a angústia me vem insuportável e me cansa, me sufoca, corro pra esse poço. Mergulho, mesmo sem saber nadar, me afogo com naturalidade, bebo essa água nada potável passivamente, vou pro fundo e lá fico. Até que todo o ar dos meus pulmões acabe. E nessas horas sempre tem uma corda, um balde, que me puxa pra subir e eu não faço ideia do que seja.
Aí eu subo de lá, saio e reaprendo a respirar.
E tudo de novo, até a realidade pessimista que põe pedras no caminho que só eu vejo porque só eu ando, me machuca e me faz voltar pro lugar de onde eu nunca deveria ter saído.

quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

Tensão

Ela passou no meu trabalho, numa terça ou quarta, já nem me lembro mais.
Estava combinado de irmos bebericar alguma coisa no Osbar, ou o Bar do Rock, na Lélio Gama mesmo. Eu sai do trabalho mais cedo naquele dia, comi minha pipoca habitual na barraquinha do Vaguinho, e ele sempre perguntava como tava a vida, e eu sempre respondendo, desabafando um pouco com ele, e ele contando sobre o dia de trabalho também. Até que vinha a pergunta "Vai pipoquinha pra melhorar o dia?" e eu sempre respondia que sim, e ele já sabia "Sal, caprichada no bacon, né?" e era mais um sim, dessa vez com um sorriso, porque bacon pra mim é o êxtase.
Ela já tava lá, com aquela roupinha de escritório, me esperando.
Fui até ela, ainda comendo minha pipoca, demos aqueles dois beijinhos no rosto e fomos pro bar.
Naquele dia, só tocava Frejat e Barão Vermelho. Mas tocou tanto que eu cheguei a cansar. E olha...é difícil.
Falamos amenidades, o Natal estava chegando, então dei um presente muito particular pra ela, ela gostou bastante. Contou que tava indo viajar, contou dos pais, contou da namorada nova, e finalmente, me perguntou da minha vida. Não deu tempo de responder, porque meu celular tocou, e era a minha namorada ligando, dessa vez. Falei com ela, disse com quem estava e senti uma onda de ciúmes chegando naquela ligação. Chamei ela pra dar um pulo no bar, não só pra conhecer a minha amiga, mas também pra tirar o estigma e dar uma melhorada nos ciúmes que ela tava remoendo e tentando disfarçar sem sucesso. Desliguei o celular com a resposta da namorada: "Ah, mas eu vou mesmo!" e preferi deixar quieto.
Minha amiga não é exatamente apenas uma amiga. Já ficamos, já transamos (e era ma-ra-vi-lho-so, inclusive. Fico sem ar se me lembrar. Juro.), já tentamos namorar...mas eu estava bêbada demais pra compreender a seriedade daquele sentimento. E quando me dei conta daquele sentimento ali, já era tarde. Eu escolhi ficar com a namorada. Não fiz mau negócio (como se gostar de alguém fosse negócio...que patético), sou apaixonada pela minha namorada, amo mesmo... Mas é inevitável evitar o clima de tensão sexual entre eu e essa amiga. É automático, e beira o incontrolável, e dá pra perceber nela a mesma vontade, o mesmo tesão e eu lembro de sentir ela molhada nos meus dedos, no meu sexo, dentre outras loucuras e sofreguidões... E ao mesmo tempo que me sinto mal de lembrar daquilo, me sinto derretendo por dentro, queimando da cintura pra baixo, arrepiando espinha acima e latejando com uma leve umidade onde não deveria estar.
Eu estava aliviada pela ligação da minha namorada, sinceramente. Sabia que não ia poder fazer cagada. Por mais que eu bebesse ou quisesse, com ela ali, ia me conter até a última gota de suor escorrendo pela minha testa. Mas enquanto ela não chegasse ali, eu não relaxei. Fui comprar cigarros, fumei desesperadamente, tentando não sexualizar nenhum assunto, mas era inevitável. Ela falava da namorada dela, que ela queria mudar de sexo, que ela era trans, que toma hormônios, que é ativona/caminhoneira, e que na verdade ela não se incomoda com nada disso, mas no fundo sente muita falta de ser ativa, e blá blá blá... eu já não estava mais ouvindo, só me vinha as imagens dela sendo ativa comigo, e de como era bom.
Aí, em uma tentativa de me manter calma, eu ria nervosamente, tragava mais forte o cigarro, virava o copo de cerveja. E ela ria, sempre... Porque percebia obviamente o tamanho do meu esforço em me conter pra não voar nela. Daí então ela teve uma ideia: toda vez que eu virava o copo, ela virava também. Mas parar de falar em sexo...nada!
Ela acendeu um daqueles cigarros mentolados dela, com aquele cheiro maravilhoso, que me lembrava a casa dela, a cama... minha cabeça estava fervilhando. Levantei e fui no banheiro, usando a minha cistite como desculpa. Normalmente eu sentia vergonha da cistite, mas naquele momento ela me apareceu como uma salvação.
No banheiro quase tomei um banho na pia... molhei mãos, pescoço, rosto. Gastei muito papel pra me enxugar depois, respirei fundo e voltei pra mesa. Minha namorada ligou, falou que tava indo com um amigo nosso que trabalha com ela e eu sorri aliviada de novo.
Voltamos a conversar, mas dessa vez sobre um filme que queríamos ter assistido juntas, Elvis e Madona, um filme brasileiro, que fala sobre o relacionamento de uma travesti com uma lésbica, muito bom (mas tá mais pra comédia romântica do que pra filme cult, na verdade). Então não percebi mais o que eu estava falando, porque cobrei a presença dela no filme (que passou no último dia de um festival, e eu fui assistir com a minha namorada). Por que raios eu fiz isso?
Ela riu, e disse que não deu realmente pra ela ir, mas que a maioria dos amigos dela tinham ido assistir e que já tinham contado pra ela algumas coisas sobre o filme... E desse momento em diante, me tornei uma pessoa irracional. Ela flertava comigo nitidamente e eu flertava de volta. Tudo isso sem encostar nela.
Virei mais uns copos de cerveja, fui mais umas 4 vezes ao banheiro tentar me acalmar, mas eu sabia que eu estava prestes a fazer merda. Voltei pra mesa, e continuamos a conversa insinuativa, minha namorada ligou e avisou que estava indo pra lá. Caguei. Confessei pra minha amiga que não tava mais aguentando ver ela ali, falar sacanagem e não pensar em como o nosso sexo era delicioso, ao que ela me respondeu prontamente que sentia o mesmo... e aí rolou uma breve insinuação dela: "a gente podia marcar alguma coisa pra você ir lá em casa...tem um quartinho sobrando." e é lógico que eu respondi o que eu não devia: "Tem mesmo? Então dá pra alugar? Tá cobrando quanto?" e rimos freneticamente. As duas visivelmente excitadas, fazendo sexo por telepatia, os dentes rangendo, as mãos atrapalhadas e os cigarros acabando.
Ela disse: "Acho que não ia dar certo você morando lá em casa, comigo... vai que eu chego bêbada e tarada, invado o quartinho, e te ataco?" ao que eu, cachorramente, respondi "bem, não seria estupro, porque seria consensual". Pensei na hora "que ótimo! porque não combinar logo a data que você vai trair a sua linda namorada por quem você é apaixonada? marca no aniversário de namoro logo, sua IMBECIL".
Tinha que ME parar de alguma maneira... O celular toca, minha namorada chega, com o nosso amigo, que prontamente entendeu todo o caos (pq ele sabia de todo o trelelê que eu tive com essa amiga antes e da tensão sexual e etc) e sentou-se entre as duas. Minha namorada sentou-se do meu lado e eu a recebi com o beijo mais cheio de desejo que eu pude. Estava molhada, a cabeça a mil, queria arrastar ela pro banheiro a qualquer custo, mas isso seria muito suspeito e minha namorada não é idiota. Aquilo ia me render uma DR de DIAS! Isso sem falar em uma possível greve de sexo.
Bebemos mais, minha namorada querendo ir já no segundo copo e eu querendo ficar por conta de todos os copos que já tinha virado antes dela chegar... Meu amigo tentando criar um clima agradável, e a minha amiga ali conversando com todos, rindo, e de vez em quando me olhando de um jeito que só eu entendia e excluía a todos.
Aquela situação torturante ainda durou um tempo, um par de horas talvez, mas o resumo da ópera: a amiga levantou, pagou sua parte, se despediu de todos com beijos no rosto e votos de um ótimo fim de ano e um excelente começo do próximo e eu fiquei por último. Na minha vez ela falou no meu ouvido "quando quiser, o quartinho tá lá". E foi.
E ao invés de eu ficar quieta, não... Pego o celular do meu amigo pra mandar uma mensagem pra amiga, provocativa, lógico.
E cá estou eu, confessando a minha falta de capacidade de segurar a onda e resistir a uma tensão sexual. E pior: ainda amo minha namorada, ainda estou com ela, mas todos os dias pensando nessa amiga, no quartinho e naqueles beijos.