sexta-feira, 25 de outubro de 2013

Chinelos

Ela encontrou comigo, ou eu encontrei com ela... já não sei bem mais a ordem.
Eu não tremi, eu não sonhei, eu não gelei. Eu sorri. E ela sorriu de volta. Ela desviou o olhar e ajeitou o cabelo preso num rabo de cavalo algumas vezes.
Era a segunda vez.
A primeira não foi emocionante, não foi incrível, não foi inesquecível. Ela só saiu da área de fumantes e foi comigo tomar uma cerveja e nos beijamos.
Até o segundo encontro foram milhares de palavras, centenas de vírgulas,
Antes estávamos descontraídas, agora era tão comum que achei razoável ela não saber onde colocar as mãos.
Eu tenho medo do esperado às vezes. E acho que ela também.
Da segunda vez foi natural demais, foi bar, cerveja, conversa, 2 ou 3 beijos inocentes, levar na porta de casa, depois tocar meu rumo. Seria bobo, se não fosse pela naturalidade das coisas.
Era como se eu estivesse em casa, de chinelo, na sala, com um short velho e uma camiseta manchada, tomando uma long neck, fumando um, e rindo enquanto via alguma coisa absurda na TV.
E era como se ela estivesse ali também.
Não é nada forçado. Não era só uma questão de se sentir em casa, mas estar em casa, e não com ela apenas, mas dentro dela. Nela.
E foi aí que eu relaxei.
Não tem nada melhor que poder calçar chinelos todos os dias, o dia todo.

quinta-feira, 17 de outubro de 2013

Agonia

Eu só queria estar perto
dentro
na sala, nas paredes, dentro do seu espelho, na lágrima que escorre do seu bocejar, na vibração do seu tímpano quando ouve o celular tocar, nos milésimos de segundos que a sua ansiedade te faz perder o ar, nos livros empilhados que você nunca leu na prateleira e nos textos da faculdade que se acumulam confusamente na cabeceira.
queria estar ali naquele vão entre o atrito e o estalar dos seus dedos, ou no ângulo que a sua boca faz enquanto abre pra xingar, no espaço entre os seus dedos quando de noite você se toca embaixo do edredon.
naquele fechar de porta, naquele restinho que ficou no prato, na sua predileção por miojo e ovo mexido na pressa da falta de organização cotidiana, naquele corre-corre que espalha as suas roupas pelo chão da casa enquanto você procura desesperadamente por aqueles malditos papéis que você nem sabe onde estão.
ali, bem ali, no seu susto quando abre a fatura do cartão de crédito, no pânico quando vê a barata subindo pelo azulejo da cozinha, no seu cansaço quando recebe ligação da mãe cobrando um marido um emprego um filho e contando que aquela tia velha morreu e que você é insensível por não querer ir no velório.
queria ser aquele instante em que você tem uma puta boa ideia, mas ela passa tão rápido que você se embola e nem consegue anotar. queria ser aquele seu brainstorm quando você se larga sozinha no sofá num domingo lento e monótono chapada, queria ser até aquela sua larica louca que mistura tudo que tem na dispensa e na geladeira.
queria ser o seu relógio enchendo seu saco te chamando pra encarar aquele chefe de merda na segunda-feira às 5:30 da manhã, o café que você não consegue tomar direito porque se atrasou no papo do "mais 5 minutinhos, porra...", o ônibus que você perdeu, o outro que você pega e está lotado e parando em todos os pontos, queria até mesmo ser o seu mau-humor de chegar cansada e ainda levar esporro no trabalho em mais uma segunda-feira escrota.
queria ser a sua rotina. o seu feijão-com-arroz. a sua surpresa, o seu tédio e até a sua tristeza.
porque não tem nada pior do que simplesmente não ser e não estar pra quem se quer.