terça-feira, 12 de março de 2013

Wallflower


Lembrei de um momento, de um instante que durou cerca de 1h e 40min, e que ficou reverberando ainda na minha cabeça.
Tinha se aquietado e sumido, aparentemente, mas por ocasião de ver uma coisa qualquer, acabei me lembrando do filme, do dia, com quem estava, onde estava e ficou tudo ainda mais especial. No final eu chorei. Lembro o que eu senti quando chorei, lembro que eu achava que podia ficar comparando fatos e histórias minhas com Charlie, as vezes me confundia com Sam e no final das contas me achava parecida com Patrick.
Me senti naquele momento que ainda estamos adolescendo mas precisando crescer, e aí vem as decisões, os medos, as pressões, as fugas, os traumas... Tudo parece se embolar e vira um turbilhão.
Tudo é muito. O que é ruim é muito. O que é bom é muito. O que é triste é muito. O que é alegre é muito. Os amigos são muitos. Os pra sempre são muitos. Os nunca mais são muitos. E o tempo passa, a gente descobre que o muito é nada. Ou quase nada.
A gente vai se limitando, se ensacando, se separando, se selecionando e colocando em caixas cada vez menores, de porções cada vez mais individuais, onde todo aquele muito não consegue caber, mesmo dividido.
A gente vai sonhando menos, sentindo menos, se importando menos... E chamamos isso de amadurecer.
Não é que não se deva, até porque tudo que é muito uma hora cansa, extrapola, exagera, e perde o sentido. Perde a graça. Perde o brilho, junto com a tal da juventude.
Mas é tão bom aquela sensação de inabalabilidade total, peito de aço, ideias incríveis, tempo de sobra pra experimentar tudo o possível, pouco dinheiro, programas de índio, e amores arrebatadores, com direito a frio na barriga.
Primeiro beijo, primeira transa, primeiro porre, primeira curiosidade de matar a curiosidade, primeira vontade de andar na direção contrária, só pra ver como é que fica.
Tudo isso me veio de uma só vez. E lembrei de cada vacilo, cada mancada, cada cagada, e depois acabei rindo. Lembrei dos momentos de expectativa e tensão com o que era novo, com o que era proibido... E acabei lembrando que acabou.
Lembrei de roupas, de músicas, de lugares, de hábitos, de livros, de garrafas, de sapatos (ou melhor, de tênis), de maços, de dúzias, de litros, de metros, de quilômetros, de centímetros, de quilos... até de passos.
No fim das contas eu não só lembrei, mas vi, talvez tenha ouvido, senti e quase quase transcendi e me atrevo a dizer que "posso jurar que naquele momento nós éramos infinitos".
Porque éramos. Éramos o muito, o supostamente ilimitado, o pra sempre. E no fim, o nunca mais também.

segunda-feira, 11 de março de 2013

Curiosidade e interesse.

Eu adoraria falar um pouco de psicanálise e filosofia, apesar de ser graduanda de ciências sociais...
Os temas me interessam e eu venho tendo uma certa curiosidade crescente sobre os dois assuntos.
Pode ser que eu esteja falando besteira nesse texto, mas pretendo me arriscar da mesma maneira.
Não falo sobre psicanálise sob a ótica filosófica, nem falo sobre filosofia sob a ótica de um psicanalista. Falo sobre filosofia e psicanálise a partir do que eu, dentro do meu conhecimento (e aí abro precedente pra seja julgada e criticada, e, por favor, também corrigida em caso de deslize) de cientista social em formação.
Eu estava lendo sobre o início da psicanálise pela internet, nada específico, não eram os compêndios de Freud, mas estava lendo sobre a invenção e a conceituação da psicanálise. Por conhecer bastante gente de psicologia, e por já estar familiarizada com os termos e verbetes, consegui entender mais coisas do que eu achei que entenderia. Mas fiquei com uma questão rondando pela minha cabeça: o conceito de razão, até então concebido de maneira cartesiana (desde Decartes, o conhecimento humano seria definido por meio da evidência para a consciência, ou seja, o que é evidente pra mim, na ordem das razões, deve ser verdadeiro na ordem das coisas), está sendo rompido por Freud, que abandona a segurança do consciente racional pra abraçar a ideia aterrorizantemente desconfortável do inconsciente (pros Jungianos, "inconsciente individual", no caso).
Por que eu me refiro a esse novo paradigma como algo desconfortável? Oras, porque até então a razão comportamental era baseada na racionalidade.
Em algum momento das nossas vidas já ouvimos: "Ah, isso é psicológico, não é nada", em casa, no trabalho, no barzinho, e inclusive dentro do consultório médico. A partir do momento em que essa frase é proferida, o discurso médico coloca no sintoma o sentido de que ele não existe, é mentira, é falso.
Freud levanta seus questionamentos a partir dessas afirmações, essas tentativas de invalidar o psicológico porque ele não tem propriedades racionais concretas, ou seja, não apresenta aparente validade sob o ponto de vista do raciocínio cartesiano. Com o advento da psicanálise, a atenção começa a ser voltada para esses sintomas "inexplicáveis", como a histeria, a neurose, o obsessivo, o paranoico, etc. O cerne de partida da psicanálise seria justamente que qualquer sintoma significa um alerta verdadeiro de um aparente desequilíbrio, mesmo não apresentando comprovações orgânicas reconhecidas, ou seja, mesmo que aparenteente aquele comportamento seja completamente injustificável após exames e análises médico-científicas, ainda assim não significa que o paciente não estivesse de fato sofrendo sob efeito de algum mal.
Enfim, Freud pega o valor "nada" atribuído ao que se chama de sintoma psicológico e dota ele de verdade, ou seja, ele torna real o que antes era apenas uma "bobagem" da cabeça do paciente.
Freud, então, começa a analisar esses sintomas como comportamentos, sob a luz de uma teoria que fundamenta a prática da escuta e a partir daí um tratamento para esse sofrimento de ordem psíquica. E deste processo fundamenta-se uma teoria do sujeito baseada em:
  1. a estrutura inconsciente da atividade mental, e;
  2. o caráter pulsional da sexualidade humana.

A partir da fundamentação dessas novas premissas se dá um confronto/questionamento de dois pilares da filosofia:
  1. a equivalência entre subjetividade e consciência, e;
  2. o postulado da autonomia da vontade.

Vou tentar explicar.
Como eu disse logo no começo, quando o sujeito deixa de ser caracterizado pelos atos conscientes apenas (que era o princípio da razão, desde Descartes) Freud propõe uma nova teoria da subjetividade, abandonado a certeza de que tudo possui uma resposta consciente. E, quanto a questão do caráter pulsional da sexualidade humana, Freud questiona o paradigma Kantiano, o qual nos obriga a responsabilidade direta de quaisquer atos, pois agimos unicamente baseados na autonomia da vontade.
Em oposição a Kant, Freud afirma que as pulsões não são decisionais, ou seja, de ordem inconsciente - por isso talvez ele utilize a palavra "trieb" e não "instinkt", pois a última denotaria algo que obedece a um padrão instintivo, ou seja, aprendido e apreendido ao longo de gerações, enquanto "trieb" daria a exata noção de um comportamento natural, sem pré-formação nem objeto específico.
As pulsões, então, dentro de nossas escolhas sexuais (e também escolhas relativas ao nosso próprio ser), não correspondem ao que chamaríamos de "vontade livre", muito pelo contrário, na verdade estaríamos submetidos - ao menos em parte - a fatores contingentes ligados à nossa singularidade enquanto sujeitos.
Depois do início da desconstrução da razão tal qual a conhecíamos por Freud, Lacan lança o sintagma "a razão desde Freud", de forma provocativa, para demonstrar que seria impossível ser indiferente a essa (até então) nova teoria e como dispositivo de uma práxis (a invenção e aplicação da psicanálise) sob a  racionalidade humana.
Segundo Lacan, a psicanálise literalmente abala as relações entre saber e verdade. Relação esta que anteriormente já teria sido questionada por Hegel. Segundo o mesmo, verdade e saber constituem dois conceitos separados, com afinidades entre si, coincidentes no campo do saber absoluto, mas ainda assim pertencentes a duas ordens distintas.
Bom, a razão, enquanto estrutura, não se referencia exatamente com o exposto aqui, mas perpassa sobre essa discussão.
Por exemplo, quando Freud trata do inconsciente, ele não afirma que nós não conhecemos nossas ideias, o que nós mesmos pensamos ou somos ou escolhemos, como se tivéssemos um segundo eu obscuro e sem controle dentro de nós mesmos, como se no fundo não fossemos racionais. Trata-se, na verdade, da afirmação de que o inconsciente se estrutura de forma sistemática, onde o pensamento, antes de  tornar-se algo "concreto", ou seja, consciente, é inconsciente (o que justifica/exemplifica o ato falho, quando uma expressão, seja ela na fala, na memória ou física, acontece aparentemente "sem querer").
E daí conclui-se que Freud não só inventou a psicanálise, como também derrubou o paradigma da razão cartesiana e a lógica kantiana sobre as ações humanas (ambas baseadas unicamente em uma racionalidade consciente), ou seja, ele inaugura um novo postulado, onde se questiona o que viria então a ser a razão humana, se fossem levados em consideração também o princípio da pulsão e o inconsciente.
E aí vem o meu questionamento: é possível estabelecer um comparativo/uma relação entre psicanálise e filosofia, mas como utilizar esses conceitos psicanalíticos pra analisar e repensar a sociedade (leia-se, as teorias sociológicas), os conceitos de coletividade, a questão da solidariedade (mecânica e orgânica),  o "fato social" Durkheimiano, a estética e a criação de padrões, etc?
Vou experimentar essa mistura e ver o que acontece (tomara que seja algo para além de Goffman).