segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

Gregório de Matos

Nasce o Sol, e não dura mais que um dia,
Depois da Luz se segue a noite escura,
Em tristes sombras morre a formosura,
Em contínuas tristezas a alegria.

Porém se acaba o Sol, por que nascia?
Se formosa a Luz é, por que não dura?
Como a beleza assim se transfigura?
Como o gosto da pena assim se fia?

Mas no Sol, e na Luz, falte a firmeza,
Na formosura não se dê constância,
E na alegria sinta-se tristeza.

Começa o mundo enfim pela ignorância,
E tem qualquer dos bens por natureza
A firmeza somente na inconstância.

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

Poemas e outra predileções.

Como ficar livre?

Anos passam, pessoas também.Sempre se repetem as mesmas situações.São pais não acreditando que seus filhos cresceram, casais que não se divorciam, namorados que nunca terminam sob promessas renovadas.E ao final de uma verdadeira maratona moral, o que sobram são causas infestas com conseqüências inócuas.
Um assunto bastante puído, mas que parece nunca cansar a ninguém – o que depende diretamente da abordagem feita.Nada muito cansativo ou com raízes Freudianas, mas apenas sendo direta: não há respeito mútuo todo o tempo e as pessoas são egoístas, por mais que evitem.
Um pai se apóia na tese da proteção para literalmente impedir seus filhos de fazer certas coisas.Na maior parte das vezes é proteção nua e crua; cuidado mesmo.Mas ninguém pode ser racional em “cem por cento” das vezes.E são em brechas como essas que os filhos encontram forças argumentativas para lutar contra essas proibições.O que raramente surte efeito, mas sempre tende a parecer uma boa alternativa.
Casais não se divorciam por diversos motivos: comodidade, insegurança, ou finanças.Não importa, sempre empurram mais pra frente decisões até óbvias, mas que não gostariam de tomar.Torna-se pior se eles têm filhos ou se uma das partes não concorda.Casamentos desgastados são extremamente individualistas e egocêntricos.Ambas as partes entram em uma disputa infinita, testando se são melhores ou piores do que o outro.
Talvez casais de namorados não tenham os mesmos tão agravantes problemas, mas com certeza se deixam levar pelo lado emocional.Deixam de ser racionais e entram em sofrimento interno, ou experimentam um sentimento pungente de vingança.
Nada têm de obedecer a esta frieza lógica com a qual escrevo, mas por trivialidades é o que acaba ocorrendo.O que também não significa que eu esteja certa sobre estas questões.Pessoas não conseguem deixar aquilo que tanto prezam debaixo de suas vistas, a menos que seja algo iminente e que não apresente a possibilidade de ser controlado.Por orgulho, egoísmo, medo...Quem sabe a resposta certa?
O fato é que o respeito mútuo é tão irreal quanto a felicidade completa e inabalável. É humanamente impossível levar uma vida equilibrada o tempo inteiro.Mas o que se pode fazer, ao invés de obter controle total sob as mãos – o que pode ser ainda mais pernicioso – é a possibilidade de empatia.Isso resolveria muito, se o ser humano não fosse tão focado em seus próprios objetivos.
Mas, na verdade, não há nada que um bom analista não ajude a resolver.

domingo, 10 de fevereiro de 2008

Início - O MITO DE ER

Em momento inaugural deste blog, que, usando as palavras de um amigo meu, "pretende não ficar pretendendo nada", apenas reproduzo uma lenda da Antigüidade Clássica, como forma de celebração ao primeiro post.E aqui vai ela:

O MITO DE ER.
O mito de Er é uma história que Platão conta no livro "A República".Trata-se de um relato, transmitido oralmente, de alguém que retornou do Hades.No mito de Er, o essencial é que fossem quais fossem as injustiças cometidas e as pessoas prejudicadas, as almas injustas pagavam a pena de quanto houvessem feito em vida, a fim de purificarem a alma. Uma tal escatologia desvela um logos cósmico, fundamentalmente moral, na ordem de uma teleologia vinculativa para o humano.
Platão, discípulo de Sócrates, dizia que o poder da virtude era tal que teria repercussões para além da própria e limitada vida de um individuo, ou seja, depois da morte. É assim que retoma o tema da imortalidade e relata um mito, figura literária muito usada na Grécia antiga. Este mito é vulgarmente conhecido como O Purgatório, pois representa, para alguns interpretadores, um nível intermédio entre o Inferno e o Céu.
Como era comum na comunicação oral helénica, Platão conta o que outro relatou, o sucedido a um habitante arménio, Panfílio de nascimento, propriamente um guerreiro, que fora morto em batalha. Dias depois o seu corpo estava ainda incorrupto, e ressuscitaria ao décimo segundo dia na sua pira funerária, para contar o que vira depois da morte. Assim, Platão conta o que outro supostamente observou e comunicou a outros.
Conta Platão que após a sua alma sair do corpo viajou com outras almas até chegar a um lugar divino com duas aberturas contíguas na terra e duas no céu frente a estas. No espaço entre elas presidiam juízes que, depois de se pronunciarem, decidiam para onde se encaminhariam as almas. Os justos seguiam para a abertura da direita, que subia ao céu, os injustos seguiam para a da esquerda, que descia. Todas levavam uma nota com o julgamento e com tudo o que haviam feito. A Er foi dito que seria o mensageiro junto dos homens das coisas daquele lugar.
As almas que ali chegavam vindo da terra pareciam vir de uma longa travessia, estavam impuras e imundas, enquanto que as que vinham do céu chegavam puras e limpas cantando experiências deliciosas e visões de indiscritível beleza. As que chegavam de baixo gemiam e choravam, recordavam sofrimentos e dores da viagem de mil anos por debaixo da terra.
O funcionamento habitual era o de que cada alma pagasse sucessivamente todas as injustiças cometidas, fosse contra quem fosse. A pena de cada injustiça era paga dez vezes. Os actos justos seriam também recompensados deste modo. As interpretações referentes ao número de anos são díspares entre os interpretadores, mas é mais ou menos concensual que cada pena era paga em cem anos, resultando, portanto, nos mil anos totais (dez vezes cem).
As excepções existiam relativamente a crimes de homicídio ou de impiedade, quer em relação aos deuses, quer em relação aos pais, em que as penas eram ainda maiores. Note-se ainda que apenas eram dispensadas da viagem por debaixo da terra, em sofrimento, quando finalmente se curassem da sua maldade e expiassem totalmente a pena. Só reunindo estas duas condições a abertura permitia que subissem. Platão descreve alguns dos castigos infligidos, nos quais se inclui o ser-se esfolado.
Er observou então que os que já tinham pago os seus pecados regressavam à vida, passando por um lugar onde estavam as três filhas da Necessidade,as Parcas: Láquesis (o Passado), Cloto (o Presente) e Átropos (o Futuro), que teciam o destino dos humanos.
Então, um mensageiro dos deuses pegou em lotes e modelos de vida e dispô-los para as almas escolherem, pois iria começar outro período portador de morte (tempo de vida humana). Havia destinos para todas as espécies, mas destas escolhas resultavam imensas armadilhas. O essencial era escolher a fim de não cair na ganância da tirania e da riqueza, evitar os excessos na vida mundana e optar sempre com muita prudência. Só assim um humano alcançaria a felicidade suprema, não esquecendo que a escolha deveria ser dirigida pela procura da virtude, pois a responsabilidade pesaria apenas sobre quem escolhe.
Depois as almas foram conduzidas para a planura do rio Lete e, junto do rio Amelas, todas foram forçadas a beber uma certa quantidade de água, esquecendo tudo, umas mais que as outras, conforme bebiam mais ou menos. As que irreflectidamente bebiam mais, esqueciam demais.
Troa o trovão e um tremor de terra, era a hora das almas irem ao encontro dos seus destinos a fim de nascerem cintilando como estrelas, e Er impedido de beber acordou divinamente na pira funerária.
Este é um resumo possível do mito de Er, não dispensando a leitura integral, não só do mito, mas também d'A República. O Mito de Er deve ser lido em permanente intertextualidade com os demais mitos e/ou contos platónicos, sobretudo com a
Alegoria da Caverna.