domingo, 5 de dezembro de 2010

Clarissa e Roberta

Por alguns instantes Clarissa quis se sentir grande, maior do que seu ego, como se sentisse sua força brotando de algum lugar por dentro. Queria sorrir, explodir, gargalhar e apontar, como criança. Mas como confiar em uma pessoa que te abandona no momento de maior latência do seu amor por ela? Não, ela não podia se deixar abalar por aquele velho sentimento.
- Então é isso... Você vem me procurar porque ficou carente?
- Não, linda... Se fosse só carência teria me casado, ou buscado qualquer outra pessoa, não acha? - era a primeira vez que Clarissa tinha sido agressiva e tão séria com Roberta, e isso a perturbou.
- Não consigo confiar em você. - respondeu secamente Clarissa.
- Naturalmente. Já imaginava isso, mas gostaria de te fazer uma proposta, mesmo assim.
- Hã...
- É simples: não me proíba na sua vida, esteja aberta, deixa eu me aproximar de novo. Você não tem que estar comigo, mas pode estar comigo também. Entende?
- Tá. Você me propõe que nos reconheçamos novamente, é isso?
- É. Sem juízo de valores, ok? - e Roberta finalizou a frase com um lindo sorriso.
- Impossível. - Clarissa respondeu entrando na brincadeira, com um sorriso que antecipava sua resposta.
- Ah, mas tenta...
- Tudo bem. Vamos ver no que isso vai dar.
Clarissa tinha medo, mas a possibilidade de estar com Roberta novamente era irresistível, não podia negar o frio na barriga, aquela sensação de borboletas no estômago de novo. Tinha o dia todo de folga, e Roberta parecia não ter mais nada pra fazer também.
- Tá com fome, Beta?
- É...agora eu tô.
- Vamos naquele japonês aqui perto?
- Como a gente fazia quando você se mudou pra cá! A gente comia yakissoba todo dia...Lembra? - e Roberta soltou uma leve risada.
- É. - Clarissa também riu.
Os olhos das duas se cruzaram mais uma vez, os risos se ouviram, se tocaram. Elas sabiam perfeitamente o que aquilo representava. E nenhuma das duas quis afastar aquilo que estava renascendo ali, se readaptando a uma nova realidade.
Alguns meses atrás, quando Clarissa tinha conseguido sair da república onde morava, foi morar ali, naquele apartamento pequeno que parecia não conter sua felicidade de se ver gerindo sua própria vida, com maior privacidade pra ela, mais espaço para os seus sonhos. Roberta também tinha adorado a ideia, pensava em ir morar com ela um dia, se empolgou com a decoração, ajudou a pintar, ajudou na mudança, e, na época, o fato de estar ali presente, esboçando alguma espécie de futuro, parecia encantador.
Ficaram em silêncio, por um breve instante, se perdendo uma nos olhos da outra, quando Roberta acariciou de leve o rosto de Clarissa. Elas sabiam que estavam com seus pensamentos em um mesmo lugar, na mesma lembrança, na mesma felicidade remota.
- Quem vai levantar primeiro?
- Quem tiver mais coragem.
- Isso mesmo...Levanta aí! - e Clarissa começou a fazer cócegas em Roberta, fazendo-a levantar.
Definitivamente aquela tarde estava parecendo um comercial de margarina no intervalo de uma feliz história de novela das 20h.
Depois de muito romance e gracejos, levantaram-se, vestiram-se e foram no japonês, já que não tinha a menor condição de cozinhar qualquer coisa na casa de Clarissa. Vida de solteira, sozinha a maior parte do tempo, possivelmente explicaria a desarrumação e a falta de prática com o fogão e as panelas. Comer sozinha é chato, cozinhar pra si própria é chato.
Saíram do apartamento, passaram pelo porteiro fofoqueiro, mas dessa vez Roberta deu mãos com Clarissa, numa atitude que surpreendeu ambas. Andavam com tranqüilidade, esperando encontrar um cenário digno de Disney nas ruas, com pássaros cantarolando em volta das princesas, em copas frondosas de árvores imponentes, mas só tinha barulho de carros e buzinas e um sol que sempre faz lembrar aos cariocas o porquê da música “Rio 40º”. Andaram por quase 10 minutos, chegaram no japonês, onde podiam pedir milhões de coisas, mas pediram o mesmo yakissoba de camarão que pediram tantas vezes antes. Era um bom momento, estavam felizes, e relembrar coisas agradáveis era ideal.
Na hora do pedido, uma nova surpresa:
- Pra viagem, e rápido.
- Roberta, que isso... Pára pra comer! – disse Clarissa assim que o atendente se afastou.
- Tenho o dia livre pra você, e quero aproveitá-lo da melhor maneira possível. – respondeu Roberta com intenções pouco puritanas.
Iniciaram um papo descontraído sobre suas lembranças e algumas intimidades, até que o yakissoba chegasse, depois de algum tempo. O atendente ouviu um trecho da conversa das meninas quando foi levar o tal prato a elas e enquanto pagavam, não pode deixar de soltar um sorrisinho, que foi percebido por elas, mas Clarissa não se importava, já Roberta percebeu as claras – e más – intenções do rapaz. Não satisfeita, decidiu proporcionar um espetáculo completo: beijou em pleno restaurante aquela menina ruivinha e tímida que tanto desejava.
O espanto foi geral, mais o maior e mais saboroso foi o de Clarissa. Nunca, em todo o tempo que estiveram juntas antes, Roberta tinha tomado tal atitude. Nem de mãos dadas costumavam andar, e agora, nesse reencontro, beijos em público em plena luz do dia, num restaurante. É...Roberta mudou.
O atendente não sabia o que fazer, o beijo foi ficando mais quente, mais envolvente e Roberta estava adorando aquele desconforto, aquele constrangimento que causara no ambiente, descobriu então que a felicidade dela não podia ser paga ou trocada pelo seu silêncio e inércia. Se descobriu capaz de tomar essa realidade em suas mãos e enfrentar o que tivesse por vir. Sabia que não seriam flores o que estaria esperando por ela, mas teve a certeza que a partir daquele momento sua forma de ver o mundo, de se ver tinha começado a se transformar e ela estava adorando.
Clarissa, mesmo sem entender, também gostou do beijo e da atitude. Preferiu não falar nada, só dançar conforme a música, sabia que seria complicado e difícil pra família conservadora de Roberta e julgou inapropriado trazer questionamentos tão densos e pesados à tona naquele momento.
O beijo se deu, e foi interrompido por Clarissa, antes que entrassem as duas em combustão.
- Beta, seu troco tá te esperando e a comida tá ficando fria. E agora quem quer voltar logo pra casa sou eu.
- Ah... Cê tá com pressa? Por que? - disse Roberta, quase sussurrando, com um tom um pouco rouco, sugando o lábio inferior de Clarissa.
- Em casa eu te digo. - respondeu mais maliciosamente ainda Clarissa.
Pegaram o troco, a comida e abandonaram aquele restaurante com a sensação de que implodiram o lugar. Era tão pequeno, tão aconchegante, com suas cadeirinhas e mesinhas de madeira, espaço altamente simétrico, geométrico e seus frequentadores e trabalhadores exalando aquela impressão de regularidade, formalidade, seria comparável a um mosteiro se não fosse tão ocidentalizado. Definitivamente, naquele espaço a felicidade delas não ia caber. Nas ruas, no percurso de volta, não queriam mais se sentir como em um mundo encantado da Disney, queriam sentir aquele calor, de 40º, de dentro pra fora e de fora pra dentro. Se apressaram, quase correram pelo caminho de volta pra casa. Entraram no prédio afoitas, Clarissa abraçou Roberta por trás e foram andando assim, grudadas. Lógico que o porteiro viu, mas dessa vez elas riram dele, não ligavam, qualquer coisa parecia menor do que aquele momento e tudo era menos importante. Clarissa tinha medo de estar sendo usada em um momento de carência de Roberta, tinha receio de nunca mais vê-la, sabia que as promessas que foram feitas antes não foram cumpridas, o que mudaria agora? Não tinham o menor compromisso mesmo... Mas deixaria pra pensar nisso em outra hora, aquela hora era de agir, e aproveitar.
Roberta estava descobrindo a delícia de ser desejada e desejar tão violentamente e tão publicamente, estava excitada com a possibilidade de descoberta desse novo mundo. Queria mais, queria gritar. Estava começando a entender o “sair do armário”.
No elevador, entraram mas não apertaram o 4, Clarissa colocou Roberta de frente pra parede do elevador, beijava sua nuca, afastava seus cabelos bem levemente, provocava mais, mordia o pescoço, as mãos desciam e subiam pelas costas, acariciava os braços, decidiu abrir as pernas de Roberta e encaixar uma das suas naquele vão ali. Roberta ria, com ar de Noelle Vavoom, totalmente extasiada, realizada. Aquela provocação quase inocente a deixava com ainda mais vontade. Deixou o yakissoba no chão quando Clarissa desceu suas mãos pelos braços dela, entrelaçando seus dedos e colocando-as contra a parede. Tudo o que Roberta podia fazer era suspirar e gemer, mas não o fazia, estava se segurando pra quando subissem pro apartamento. Enquanto isso, Clarissa ia se arrastando no bumbum de Roberta, fazendo um leve rebolado, com a sua perna no meio das dela, e com suas mãos prendendo as dela. Sentia tesão, e sentia crescendo dentro dela, o calor aumentava, a vontade crescia, os movimentos se intensificavam, a vontade crescia mais, a medida em que aquela situação de dominação se intensificava, os movimentos dos quadris das duas tornavam-se mais forte um contra o outro, Roberta rebolava mais, parecia uma dança, um pedido com o corpo do que queria que fosse feito.
Clarissa largou Roberta e apertou o 4. Esperou o elevador começar a subir, encostou as costas na outra parede, Roberta abaixou pra pegar o yakissoba de forma provocante: desceu sem dobrar os joelhos, manteve o bumbum empinado e se virou pra Clarissa, antes de se levantar. Então se encostou de frente pra ela, na outra parede e ali ficaram se olhando, esperando o elevador subir.
Clarissa enfiou a mão no bolso, procurando a chave, pra evitar perder tempo procurando por ela no corredor. O elevador subia e parecia lento demais pra fome delas. Uma olhava a outra e sabiam que assim que entrassem no apartamento todas as expectativas seriam superadas, todo o enorme prazer seria satisfeito. Roberta nunca foi tão fogosa quanto agora, e Clarissa nunca se sentiu tão à vontade.
O elevador parou, quarto andar, abriu a porta, as duas saíram, caminhando leves pelo corredor, como se estivessem preparando uma armadilha, uma pra outra. Clarissa pegou a chave, abriu a porta, Roberta entrou no pequeno apartamento levemente bagunçado pelo rompante sexual anterior.
Roberta colocou o futuro almoço sob a mesinha da cozinha americana, abriu a geladeira pra tomar um copo d’água bem gelado, estava quente por dentro e por fora. Enquanto isso Clarissa fechava a porta, tirava a roupa e ligava um ventilador pequeno próximo ao pé da cama, no quarto minúsculo que só cabia a cama de casal e o armário.
Roberta olhou o relógio, viu que dali a uma ou duas horas o sol ia começar a baixar para se pôr, não sabia se devia dormir ali, nem o que diria a sua mãe quando a procurasse, mas ia ficar, porque sabia o que ia acontecer, sabia que era bom e sabia que ia gostar. Foi se indo para o quarto, onde Clarissa já estava a esperando.
- Vem, Beta. – disse Clarissa, só de calcinha e sutiã na cama desarrumada.
- Não quer beber água, comer, nada? – Roberta foi andando na direção de Clarissa, abrindo o zíper do vestidinho.
- Depois. – respondeu Clarissa, já sentando-se na cama.

(continua)

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