domingo, 27 de maio de 2012

Clarisse


Depois de meia hora de banheiro e alguns ferimentos a mais na parte de trás de suas pernas, tomou mais 2 antidepressivos e 1 calmante. Com vodka. Só pra se esquecer, só pra se acalmar.
Abriu a porta, foi saindo de calcinha e aquela blusa três vezes maior do que seu próprio tamanho, descalça. As pernas ainda ardiam, mas tudo bem, das feridas só ficam as cicatrizes, mais ou menos fundas, mas nada que possa preocupar. A dor das pernas é melhor do que a dor de dentro, da cabeça ou do peito, ou da alma. Tanto faz.
Olhou pra esquerda, depois pra direita, meio "grog" dobrou pra onde a perna doía menos e andou um tempo. Percebeu que o corredor parecia maior do que era de fato, mas achou o quarto e ali entrou e se fechou. Depois o caminho até a cama pareceu uma eternidade, parecia que cada passo era um quilômetro, mas que seriam necessários dez deles pra chegar na cama. Então correu, correu ainda mais quando ouviu uma risada. Olhou pra trás, correu, não viu ninguém, correu mais ainda. Não houve susto ou medo, só vontade de fugir.
Fugiu e viu surgir uma rua no meio dessa corrida louca, seus pés tocavam uma espécie de asfalto macio, mas que era áspero ainda assim e lhe machucava a sola dos pés. Tinha um gato que dele só dava pra se ver os olhos. Parou de correr, viu a pouca luz  delineando o gato que se afastava cada vez mais, encarando-a profundamente, como quem gostaria de dizer alguma coisa. Mas passou e Ela continuou olhando pra frente, e andando, em linha reta.
E no meio daquela rua em penumbra ela dá força a seu cansaço e se senta perto de uma luz fraca pra descansar. Correr tanto não a fez bem. E ela ouve passos, e junto com os passos um barulho de uma espécie de metal arrastando ao chão. Ela descobriu que era uma foice quando o vulto se aproximou revelando a forma de um homem de cabelos negros longos e olhos sombrios e baixos. Ela não sentiu medo, ela não sentiu o coração disparando porque isso não aconteceu. Ela não tinha mais do que o cansaço da corrida e a vontade de desistir. Ele se aproximou dela e perguntou:
- Qual seu nome?
- Clarisse.
E daí ela levantou segurando-se na mão estendida do estranho que não disse o nome, mas que ergueu a foice.
E então Clarisse abriu os olhos e viu seu quarto e a luz insuportável do sol.
Quando os sonhos vão parar de acordá-la? Quando o sol vai parar de brilhar trazendo aquele calorzinho tão feliz demais todas as manhãs?
Clarisse só queria o escuro e o frio e a solidão e o esquecimento e a inércia. Apenas. Uma ampulheta imóvel.

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