Custei pra perceber que as coisas estavam melhores. Depois que Custódio foi embora fiquei sem rumo, um barco à deriva, meio Madalena-arrependida, só que sem a parte do arrependimento.
No começo nada me fazia mais felicidade do que o espaço em branco que tinha sido deixado por ele, assim como os motivos para achar em outra pessoa o que eu já havia desistido de buscar em Custódio. Eu o traí, mas ao contrário do que todos foram educados para pensar, eu estava bem e satisfeita com a traição.
Ele não descobriu nada, só começou a achar meu jeito mais diferente, um jeito mais alegre, decidido, sem me importar com as coisas que mais me desagradavam que ele fizesse. E confesso que fazia tão de propósito quanto ele fazia o que eu não gostava, era uma disputa de egos, só que não declarada. Duas crianças birrentas querendo atenção, querendo mostrar o quão autossuficientes podem ser.
Ele decidiu ir embora quando todo o estoque de agressividade - velada ou explícita - tinha se esgotado. O próximo passo seria bater com uma clava na minha cabeça e me arrastar pelos cabelos, como o belo homem das cavernas que era. Paramos de nos enfrentar assim, com ele indo embora e declarando que a guerra tinha acabado. Me deixou sozinha nesse barco. Não tão sozinha, afinal aqui já havia uma terceira pessoa, mas me deixou sem o troglodita adorável, me deixou só com a parte boa de navegar, levou a tempestade e me largou com a calmaria.
Senti muita falta do acúmulo de louça suja na pia, das toalhas molhadas em cima da cama, das reclamações sobre futebol e dos gritos pra que eu pegasse mais uma cerveja. Também senti falta da força desnecessária ao me pegar na cama, da mão calejada arranhando meu rosto, do bêbado que tinha pra cuidar todos os finais de semana. Senti falta da falta de sensibilidade, da despreocupação em me ouvir, e da falta de carinho cotidiana. Não sabia o que fazer com tanta paz.
Eu não amava mais Custódio, costumava pensar assim. Aí veio o abandono, e eu comecei a reparar nas lacunas que ele preenchia, na saudade que me flagrei sentindo, e então me senti mal com a ausência dele, como se entrasse um lobo na minha casa e me mordesse faminto todas as vezes que eu pensasse nele, era incômodo assim, dolorido assim.
Custódio não me batia nunca, não fisicamente. Ele me batia na alma, me oprimia e me negligenciava, como se eu fosse só uma mobília da casa, uma empregada. Não tolerava mais a iminência da agressão física, as minhas fugas dentro de mim, isso tudo me cansava.
O tempo foi passando e as manhãs vinham vindo com a mesma leveza, paz e incômodo. Sentia a saudade e o alívio dentro de mim, como a maré subindo e descendo; ora a dor, ora a tranquilidade.
Passei a não ficar tanto tempo mais em casa, saía mais, vivia mais, aproveitei pra me envolver mais comigo mesma. Gostava de caminhar ao fim da tarde, passar os pés nas ondas que já recuavam areia afora na beirinha da praia, com o sol já levemente alaranjado despedindo-se do dia e inaugurando a noite com seu manto azul-escuro. O melhor mesmo eram as cores e os sons. Os tons claros se misturando com os tons escuros, as ondas quebrando em vários sons diferentes, mais violentos ou mais fracos, as cores frias misturando-se com as quentes pelo céu, as nuvens se esticando, se adensando e se transformando perto do horizonte. Aquele breve momento me trazia o que de melhor existia nessa separação: a solidão.
A solidão proporcionada pelo afastamento e sumiço de Custódio era confortável e a cada crepúsculo eu sentia menos o incômodo da ausência dele. Por não ficar mais em casa, não me sentia mais agoniada com o possível tocar do telefone, da campainha, ouvir um possível barulho de chaves na porta, uma carta. Mas ele jamais ligaria, ou tocaria a campainha, Custódio era um homem de arrombar portas e de conseguir o que queria com muita truculência, pela força ou pela dor, a qualquer custo. Fato era que ele não mais queria estar comigo, a minha felicidade o incomodava e ele não era troglodita o suficiente pra oprimir a minha sensação de alegria debaixo de pontapés e socos.
Custódio me deu alegria no final das contas. Não posso reclamar de todas as mazelas que passei ao lado dele. Navegamos juntos todo um Oceano de surpresas, mares revoltos e monstros marinhos, até que um belo dia achei uma garrafa com uma mensagem e vim parar na minha ilha particular, onde podia agir como bem quisesse.
Logo depois que me vi solteira, ao contrário do que podia-se pensar, não continuei meu caso tórrido de amor. Terminei-o, agora não me era mais útil ser tão feliz ao lado de outro homem que não Custódio. Só queria me bastar, e assim o fiz. Não queria ninguém navegando com meu barco que não fosse eu mesma, a Capitã da minha Nau, a mandatária da minha própria vida. Deixei ao mar todas as garrafas que encontrei, todos os homens que avistei a se afogar.
E foi então que tive um encontro com a minha própria liberdade. E foi com ela que me amasiei e fiz dela meu porto seguro, na minha ilha particular, onde ancorei de fato e lá fiz minha morada.
E foi então que percebi que nem Custódio nem qualquer outro, eu só queria ser mulher de mim mesma, e a partir de então que percebi que tudo estava melhor, por fim, como eu queria.
sexta-feira, 22 de junho de 2012
quarta-feira, 20 de junho de 2012
Sonho
Quando eu penso em arte eu me sinto em harmonia, plena, e isso faz meu dia parecer mais produtivo, tanto faz se penso na música ou na fotografia ou nos desenhos e rabiscos avulsos no papel ou nas poesias... É uma coisa que me alimenta o espírito, que me faz sentir mais a intensidade das coisas ao meu redor, onde meus pensamentos fazem sentido e até a minha dor fica mais bonita.
Existem conceitos, existem estilos, existem épocas e padrões e formas... Mas existe o "feelin'", ou dom, ou presente, ou dádiva... O nome não importa.
Existe a vontade de fazer existe o novo olhar, existe a linha de raciocínio diferenciada, existe um tato todo seu, existe o sentido, ou a falta dele. Existe tanta coisa! Existe história na arte, existe manifestações, protestos, gritos e vaias, todos silenciosos. Existe uma beleza silenciosa que é uma delícia, é o que dá a paz. Existe um merecimento e uma gratificação na mesma proporção por trás de cada sombreado, cada click, cada traço, cada pincelada, cada acorde, cada solfejo, cada espatulada, cada retorcida, cada lágrima e cada gotinha de suor.
Quando vejo minha vida se enchendo disso de alguma forma, me dá ânimo, me dá inspiração.
Mas por enquanto é sonho. Distante.
Existem conceitos, existem estilos, existem épocas e padrões e formas... Mas existe o "feelin'", ou dom, ou presente, ou dádiva... O nome não importa.
Existe a vontade de fazer existe o novo olhar, existe a linha de raciocínio diferenciada, existe um tato todo seu, existe o sentido, ou a falta dele. Existe tanta coisa! Existe história na arte, existe manifestações, protestos, gritos e vaias, todos silenciosos. Existe uma beleza silenciosa que é uma delícia, é o que dá a paz. Existe um merecimento e uma gratificação na mesma proporção por trás de cada sombreado, cada click, cada traço, cada pincelada, cada acorde, cada solfejo, cada espatulada, cada retorcida, cada lágrima e cada gotinha de suor.
Quando vejo minha vida se enchendo disso de alguma forma, me dá ânimo, me dá inspiração.
Mas por enquanto é sonho. Distante.
domingo, 27 de maio de 2012
Clarisse
Depois de meia hora de banheiro e alguns ferimentos a mais na parte de trás de suas pernas, tomou mais 2 antidepressivos e 1 calmante. Com vodka. Só pra se esquecer, só pra se acalmar.
Abriu a porta, foi saindo de calcinha e aquela blusa três vezes maior do que seu próprio tamanho, descalça. As pernas ainda ardiam, mas tudo bem, das feridas só ficam as cicatrizes, mais ou menos fundas, mas nada que possa preocupar. A dor das pernas é melhor do que a dor de dentro, da cabeça ou do peito, ou da alma. Tanto faz.
Olhou pra esquerda, depois pra direita, meio "grog" dobrou pra onde a perna doía menos e andou um tempo. Percebeu que o corredor parecia maior do que era de fato, mas achou o quarto e ali entrou e se fechou. Depois o caminho até a cama pareceu uma eternidade, parecia que cada passo era um quilômetro, mas que seriam necessários dez deles pra chegar na cama. Então correu, correu ainda mais quando ouviu uma risada. Olhou pra trás, correu, não viu ninguém, correu mais ainda. Não houve susto ou medo, só vontade de fugir.
Fugiu e viu surgir uma rua no meio dessa corrida louca, seus pés tocavam uma espécie de asfalto macio, mas que era áspero ainda assim e lhe machucava a sola dos pés. Tinha um gato que dele só dava pra se ver os olhos. Parou de correr, viu a pouca luz delineando o gato que se afastava cada vez mais, encarando-a profundamente, como quem gostaria de dizer alguma coisa. Mas passou e Ela continuou olhando pra frente, e andando, em linha reta.
E no meio daquela rua em penumbra ela dá força a seu cansaço e se senta perto de uma luz fraca pra descansar. Correr tanto não a fez bem. E ela ouve passos, e junto com os passos um barulho de uma espécie de metal arrastando ao chão. Ela descobriu que era uma foice quando o vulto se aproximou revelando a forma de um homem de cabelos negros longos e olhos sombrios e baixos. Ela não sentiu medo, ela não sentiu o coração disparando porque isso não aconteceu. Ela não tinha mais do que o cansaço da corrida e a vontade de desistir. Ele se aproximou dela e perguntou:
- Qual seu nome?
- Clarisse.
E daí ela levantou segurando-se na mão estendida do estranho que não disse o nome, mas que ergueu a foice.
E então Clarisse abriu os olhos e viu seu quarto e a luz insuportável do sol.
Quando os sonhos vão parar de acordá-la? Quando o sol vai parar de brilhar trazendo aquele calorzinho tão feliz demais todas as manhãs?
Clarisse só queria o escuro e o frio e a solidão e o esquecimento e a inércia. Apenas. Uma ampulheta imóvel.
quinta-feira, 3 de maio de 2012
Caminhada
Ando meio cansada de todos me dizendo onde está a felicidade que eu procuro.
Ando mesmo cansada disso.
Ando cansada de ver a felicidade indo embora toda vez que eu a seguro pelo braço e olho nos olhos dela.
Ando de saco cheio de amores mau resolvidos, e de amores bem resolvidos e delineados também. Um parece atrapalhar o outro. Sempre.
Ando por aqui de gente em volta e de me sentir solitária tal qual um lobo desgarrado, que quando acha a alcatéia a qual pertence, se perde dela novamente e nesse ciclo de perde-e-acha, se cansa de tanto procurar e se aceita solitário como condição de vida.
Ando com pressa de ver a vida passar e ver como as coisas ao meu redor evoluem enquando finjo partir pra outra estrada, mais calma porém nada pavimentada, na esperança de um novo tropeço.
Ando com ares de quem perdeu o rumo, mas não se pode perder o que nunca se achou, não é verdade?
Ando devagar pela viela estreita que passo agora, onde quam comigo está ao lado apaga a única vela que me dava a direção do caminho, agora escuro.
Ando porque tenho que andar e não tenho mais coragem pra voltar atrás, nem pra me sentar e esperar por algo que sei que não virá.
Ando sem saber pra onde olhar, sem ter pra onde ir, procurando não achar.
Ando meio morta meio viva, anunciando a partida, do meio do caminho que mal sonhei em planejar.
Ando sem querer, como que brincando, com o destino e com a caça, sem saber que não tenho nada pra caçar e que na verdade o perigo insiste em me espreitar.
Ando porque não tenho mais o que fazer da vida e tem alguém que sempre me empurra, pra frente, pros lados, ou pra baixo, sob o som de risos, sem se importar de fato pra onde estou indo ou como estou indo.
Um "como você está" nunca me soou tão irônico.
Um "eu não vou te deixar" também.
Fora as enúmeras vezes que ouvi "estou do seu lado" me perguntando de onde vinha a tal da voz sem rosto.
Cansei mesmo de me importar, de gostar de viver, de me resolver, de ouvir e dar sentido ao ouvido, de falar pra alguém o que seria o certo ou o que eu acho certo, de me preocupar com o que alguém sente. Ninguém nunca fez isso por mim, acho que passou da hora de fazer isso por outrém.
E isso não é o término de um namoro, é o término de uma caminhada.
Agora é andar por andar, caminhar por caminhar.
domingo, 26 de fevereiro de 2012
Erótico
Ela entra no quarto, com aquela cara de safada, de calcinha e camiseta coladinha... e eu com aquela cara de sono, lendo qualquer coisa.
Eu nem noto a presença dela...
Só percebo a proximidade quando ela, em um movimento simples e rápido, sobe na cama e se vem engatinhando sobre mim. Como uma gatinha mesmo.
Nesse momento levanto meus olhos e marco a página do livro. Era uma armadilha e os olhos dela cativaram os meus. Senti seu corpo se levantando, seus braços se aproximando, com o rosto cada vez mais próximo e meu óculos saindo do meu rosto. E a respiração dela na minha respiração, bem perto... Perigosamente perto da minha pele.
Então minha boca está já entreaberta e os olhos cerrados e a dela vindo pra minha... como em câmera lenta. Até que o beijo se dá. Minhas mãos até então paradas, suadas, se levantam em direção ao alvo. O beijo rolando, as línguas tocando, os lábios dançando... E as minhas mãos só queriam jogar o fósforo aceso naquele rastro de gasolina em forma de mulher.
Pego pela cintura, escorrego no bumbum, derrapo na curva, e sinto ela de quatro em cima de mim. Trago-a pra perto e ela se senta no meu colo, de frente pra mim, onde o beijo não para.
Quero tirar essa maldita camisetinha, mas o beijo é tão envolvente que... não sei o que fazer...
na dúvida, prefiro provocar.
Os braços dela se apoiam nos meus ombros, me abraçam pela cabeça como se ela não quisesse que minha língua saísse da sua boca menos ávida do que quando entrara. E as minhas mãos, que a tinham puxado pra mim, agora repousam solenes sobre seus glúteos. Até surgir uma inquietação febril que as faz querer migrar, sem rumo, sem destino...
Uma das mãos sobe em direção a barriga e ao seio por debaixo daquela camisetinha escrota, pedindo pra ser rasgada. O desejo inflama, dado aqueles movimentos e o beijo incendiário, então a outra mão ajuda na remoção do paninho. E eis que lindos seios rijos revelam-se.
Precisei me afastar daquela boca incrível pra que a camisetinha saísse corpo afora e pra que pudesse ver tamanha beleza. Não resisti por dois segundos sequer. Foi como um tilintar de sino, um tiro dando permissão pra correr, e eu queria muito ser a velocista campeã...
Mergulhei certeiramente em seus seios, não sabia mais se era uma pista pra correr ou uma piscina pra me afogar. O desejo foi muito... As mãos tentavam dar conta daquela abundância, mas nada parecia ser o bastante.
Ouvia a respiração dela ofegante, ouvia cada batida do coração pesando mais. Enfim, a virei. Precisava ver aquela musa de cima, completamente. E também queria me livrar da minha camisola. Tendo feito isso, com uma pressa quase que doentia, voltei pra onde estava... Desta vez ela deitada, eu por cima.
Ela deleitando-se com meus beijos pelo pescoço, colo, seios, barriga...
E as mãos inquietas, não sabiam se adiantavam o compasso daqueles movimentos ou se simplesmente os seguiam conforme iam.
Do umbigo pra baixo senti um gemido. E foi estimulante o suficiente pra querer ousar um pouco mais. Com toda delicadeza que ainda me restava tirei-lhe a calcinha. Devagar. Olhando bem profundamente nos seus olhos, como se dissessem a ela que ela despertara uma tigresa adormecida... E que esta tigresa estava faminta. Mas não por sangue, ou carne. Eu estava faminta por ela, por aquele corpo, por aqueles gemidos. Estava enlouquecida e inebriada pela possibilidade de poder fazê-la sentir o ápice de prazer. E da forma mais irremediavelmente louca... A ponto de que ela pedisse mais.
O objetivo era o bis no final do show.
A calcinha foi tirada. E minhas mãos voltaram pelo sentido contrário, alisando a pele macia, dos pés até a virilha... Lentamente. Passando com cuidado em cada poro, com delicadeza, e com uma demora proposital.
Ela olhava, mordia o lábio inferior. A respiração descompassava, dava pra perceber a impaciência no pulso de desejo.
Tendo minhas mãos chegado próximas o suficiente de onde eu tanto queria, fiz um leve carinho na virilha e depois me dediquei a explorar o seu sexo, com-ple-ta-men-te molhado, com a língua. Os lábios foram abrindo o caminho, com beijos leves, e logo depois a língua, desfilando solene e blasé naquela fenda encharcada. Até que a abri com as mãos e pude permitir a minha boca toda uma invasão. Como se eu tivesse dominado aquele território. E a partir de então todas as minhas demoras e ressalvas e afins foram esquecidas. O foco ela lamber, chupar e mordiscar aquela mulher até que ela não se aguentasse mais e me fizesse parar.
E caso não me fizesse parar... Melhor pra mim.
Invadi o seu sexo com a língua, tive tempo de explorar bastante. Senti suas mãos em minha cabeça, em um gesto que só me dizia que eu estava no lugar certo. Quando comecei a lamber, senti as pernas tremerem em uma região específica... E foi ali onde resolvi focar.
E depois de gemidos, apertos, ai's e ui's... o resultado esperado.
Ela veio... E se entregou ao orgasmo que sentia de uma tal forma que eu, já completamente excitada pela sua maneira de se deixar levar, quase pude sentí-lo na mesma intensidade. Foi incrivelmente intenso e forte.
Estávamos felizes, realizadas, e eu logo fui puxada pra um novo beijo. Dessa vez menos sedutor, com mais sentimento.
Um sentimento de satisfação, conforto, entrega e... paixão.
segunda-feira, 16 de janeiro de 2012
Poço
Eu sou só um poço. Um poço com um fundo muito fundo. Cheio de coisas emboladas, imersas em uma água turva, inquieta. E nessas águas salgadas, de lágrimas, de suor talvez, é onde os sentimentos se perdem. É onde eu perco o rumo, o chão e a bússola. É onde a vida não aparece, só parece. Onde tudo que reflete é deformado, onde não há Narciso que se envaideça.
É lá que eu moro, é lá que eu me escondo, e é pra lá que eu vou sempre que eu procuro sem querer achar qualquer coisa que não sei pra que serve. Eu subo de lá, saio e reaprendo a respirar. Ando, ando, ando, e quando os pés me doem e a angústia me vem insuportável e me cansa, me sufoca, corro pra esse poço. Mergulho, mesmo sem saber nadar, me afogo com naturalidade, bebo essa água nada potável passivamente, vou pro fundo e lá fico. Até que todo o ar dos meus pulmões acabe. E nessas horas sempre tem uma corda, um balde, que me puxa pra subir e eu não faço ideia do que seja.
Aí eu subo de lá, saio e reaprendo a respirar.
E tudo de novo, até a realidade pessimista que põe pedras no caminho que só eu vejo porque só eu ando, me machuca e me faz voltar pro lugar de onde eu nunca deveria ter saído.
quinta-feira, 5 de janeiro de 2012
Tensão
Ela passou no meu trabalho, numa terça ou quarta, já nem me lembro mais.
Estava combinado de irmos bebericar alguma coisa no Osbar, ou o Bar do Rock, na Lélio Gama mesmo. Eu sai do trabalho mais cedo naquele dia, comi minha pipoca habitual na barraquinha do Vaguinho, e ele sempre perguntava como tava a vida, e eu sempre respondendo, desabafando um pouco com ele, e ele contando sobre o dia de trabalho também. Até que vinha a pergunta "Vai pipoquinha pra melhorar o dia?" e eu sempre respondia que sim, e ele já sabia "Sal, caprichada no bacon, né?" e era mais um sim, dessa vez com um sorriso, porque bacon pra mim é o êxtase.
Ela já tava lá, com aquela roupinha de escritório, me esperando.
Fui até ela, ainda comendo minha pipoca, demos aqueles dois beijinhos no rosto e fomos pro bar.
Naquele dia, só tocava Frejat e Barão Vermelho. Mas tocou tanto que eu cheguei a cansar. E olha...é difícil.
Falamos amenidades, o Natal estava chegando, então dei um presente muito particular pra ela, ela gostou bastante. Contou que tava indo viajar, contou dos pais, contou da namorada nova, e finalmente, me perguntou da minha vida. Não deu tempo de responder, porque meu celular tocou, e era a minha namorada ligando, dessa vez. Falei com ela, disse com quem estava e senti uma onda de ciúmes chegando naquela ligação. Chamei ela pra dar um pulo no bar, não só pra conhecer a minha amiga, mas também pra tirar o estigma e dar uma melhorada nos ciúmes que ela tava remoendo e tentando disfarçar sem sucesso. Desliguei o celular com a resposta da namorada: "Ah, mas eu vou mesmo!" e preferi deixar quieto.
Minha amiga não é exatamente apenas uma amiga. Já ficamos, já transamos (e era ma-ra-vi-lho-so, inclusive. Fico sem ar se me lembrar. Juro.), já tentamos namorar...mas eu estava bêbada demais pra compreender a seriedade daquele sentimento. E quando me dei conta daquele sentimento ali, já era tarde. Eu escolhi ficar com a namorada. Não fiz mau negócio (como se gostar de alguém fosse negócio...que patético), sou apaixonada pela minha namorada, amo mesmo... Mas é inevitável evitar o clima de tensão sexual entre eu e essa amiga. É automático, e beira o incontrolável, e dá pra perceber nela a mesma vontade, o mesmo tesão e eu lembro de sentir ela molhada nos meus dedos, no meu sexo, dentre outras loucuras e sofreguidões... E ao mesmo tempo que me sinto mal de lembrar daquilo, me sinto derretendo por dentro, queimando da cintura pra baixo, arrepiando espinha acima e latejando com uma leve umidade onde não deveria estar.
Eu estava aliviada pela ligação da minha namorada, sinceramente. Sabia que não ia poder fazer cagada. Por mais que eu bebesse ou quisesse, com ela ali, ia me conter até a última gota de suor escorrendo pela minha testa. Mas enquanto ela não chegasse ali, eu não relaxei. Fui comprar cigarros, fumei desesperadamente, tentando não sexualizar nenhum assunto, mas era inevitável. Ela falava da namorada dela, que ela queria mudar de sexo, que ela era trans, que toma hormônios, que é ativona/caminhoneira, e que na verdade ela não se incomoda com nada disso, mas no fundo sente muita falta de ser ativa, e blá blá blá... eu já não estava mais ouvindo, só me vinha as imagens dela sendo ativa comigo, e de como era bom.
Aí, em uma tentativa de me manter calma, eu ria nervosamente, tragava mais forte o cigarro, virava o copo de cerveja. E ela ria, sempre... Porque percebia obviamente o tamanho do meu esforço em me conter pra não voar nela. Daí então ela teve uma ideia: toda vez que eu virava o copo, ela virava também. Mas parar de falar em sexo...nada!
Ela acendeu um daqueles cigarros mentolados dela, com aquele cheiro maravilhoso, que me lembrava a casa dela, a cama... minha cabeça estava fervilhando. Levantei e fui no banheiro, usando a minha cistite como desculpa. Normalmente eu sentia vergonha da cistite, mas naquele momento ela me apareceu como uma salvação.
No banheiro quase tomei um banho na pia... molhei mãos, pescoço, rosto. Gastei muito papel pra me enxugar depois, respirei fundo e voltei pra mesa. Minha namorada ligou, falou que tava indo com um amigo nosso que trabalha com ela e eu sorri aliviada de novo.
Voltamos a conversar, mas dessa vez sobre um filme que queríamos ter assistido juntas, Elvis e Madona, um filme brasileiro, que fala sobre o relacionamento de uma travesti com uma lésbica, muito bom (mas tá mais pra comédia romântica do que pra filme cult, na verdade). Então não percebi mais o que eu estava falando, porque cobrei a presença dela no filme (que passou no último dia de um festival, e eu fui assistir com a minha namorada). Por que raios eu fiz isso?
Ela riu, e disse que não deu realmente pra ela ir, mas que a maioria dos amigos dela tinham ido assistir e que já tinham contado pra ela algumas coisas sobre o filme... E desse momento em diante, me tornei uma pessoa irracional. Ela flertava comigo nitidamente e eu flertava de volta. Tudo isso sem encostar nela.
Virei mais uns copos de cerveja, fui mais umas 4 vezes ao banheiro tentar me acalmar, mas eu sabia que eu estava prestes a fazer merda. Voltei pra mesa, e continuamos a conversa insinuativa, minha namorada ligou e avisou que estava indo pra lá. Caguei. Confessei pra minha amiga que não tava mais aguentando ver ela ali, falar sacanagem e não pensar em como o nosso sexo era delicioso, ao que ela me respondeu prontamente que sentia o mesmo... e aí rolou uma breve insinuação dela: "a gente podia marcar alguma coisa pra você ir lá em casa...tem um quartinho sobrando." e é lógico que eu respondi o que eu não devia: "Tem mesmo? Então dá pra alugar? Tá cobrando quanto?" e rimos freneticamente. As duas visivelmente excitadas, fazendo sexo por telepatia, os dentes rangendo, as mãos atrapalhadas e os cigarros acabando.
Ela disse: "Acho que não ia dar certo você morando lá em casa, comigo... vai que eu chego bêbada e tarada, invado o quartinho, e te ataco?" ao que eu, cachorramente, respondi "bem, não seria estupro, porque seria consensual". Pensei na hora "que ótimo! porque não combinar logo a data que você vai trair a sua linda namorada por quem você é apaixonada? marca no aniversário de namoro logo, sua IMBECIL".
Tinha que ME parar de alguma maneira... O celular toca, minha namorada chega, com o nosso amigo, que prontamente entendeu todo o caos (pq ele sabia de todo o trelelê que eu tive com essa amiga antes e da tensão sexual e etc) e sentou-se entre as duas. Minha namorada sentou-se do meu lado e eu a recebi com o beijo mais cheio de desejo que eu pude. Estava molhada, a cabeça a mil, queria arrastar ela pro banheiro a qualquer custo, mas isso seria muito suspeito e minha namorada não é idiota. Aquilo ia me render uma DR de DIAS! Isso sem falar em uma possível greve de sexo.
Bebemos mais, minha namorada querendo ir já no segundo copo e eu querendo ficar por conta de todos os copos que já tinha virado antes dela chegar... Meu amigo tentando criar um clima agradável, e a minha amiga ali conversando com todos, rindo, e de vez em quando me olhando de um jeito que só eu entendia e excluía a todos.
Aquela situação torturante ainda durou um tempo, um par de horas talvez, mas o resumo da ópera: a amiga levantou, pagou sua parte, se despediu de todos com beijos no rosto e votos de um ótimo fim de ano e um excelente começo do próximo e eu fiquei por último. Na minha vez ela falou no meu ouvido "quando quiser, o quartinho tá lá". E foi.
E ao invés de eu ficar quieta, não... Pego o celular do meu amigo pra mandar uma mensagem pra amiga, provocativa, lógico.
E cá estou eu, confessando a minha falta de capacidade de segurar a onda e resistir a uma tensão sexual. E pior: ainda amo minha namorada, ainda estou com ela, mas todos os dias pensando nessa amiga, no quartinho e naqueles beijos.
Estava combinado de irmos bebericar alguma coisa no Osbar, ou o Bar do Rock, na Lélio Gama mesmo. Eu sai do trabalho mais cedo naquele dia, comi minha pipoca habitual na barraquinha do Vaguinho, e ele sempre perguntava como tava a vida, e eu sempre respondendo, desabafando um pouco com ele, e ele contando sobre o dia de trabalho também. Até que vinha a pergunta "Vai pipoquinha pra melhorar o dia?" e eu sempre respondia que sim, e ele já sabia "Sal, caprichada no bacon, né?" e era mais um sim, dessa vez com um sorriso, porque bacon pra mim é o êxtase.
Ela já tava lá, com aquela roupinha de escritório, me esperando.
Fui até ela, ainda comendo minha pipoca, demos aqueles dois beijinhos no rosto e fomos pro bar.
Naquele dia, só tocava Frejat e Barão Vermelho. Mas tocou tanto que eu cheguei a cansar. E olha...é difícil.
Falamos amenidades, o Natal estava chegando, então dei um presente muito particular pra ela, ela gostou bastante. Contou que tava indo viajar, contou dos pais, contou da namorada nova, e finalmente, me perguntou da minha vida. Não deu tempo de responder, porque meu celular tocou, e era a minha namorada ligando, dessa vez. Falei com ela, disse com quem estava e senti uma onda de ciúmes chegando naquela ligação. Chamei ela pra dar um pulo no bar, não só pra conhecer a minha amiga, mas também pra tirar o estigma e dar uma melhorada nos ciúmes que ela tava remoendo e tentando disfarçar sem sucesso. Desliguei o celular com a resposta da namorada: "Ah, mas eu vou mesmo!" e preferi deixar quieto.
Minha amiga não é exatamente apenas uma amiga. Já ficamos, já transamos (e era ma-ra-vi-lho-so, inclusive. Fico sem ar se me lembrar. Juro.), já tentamos namorar...mas eu estava bêbada demais pra compreender a seriedade daquele sentimento. E quando me dei conta daquele sentimento ali, já era tarde. Eu escolhi ficar com a namorada. Não fiz mau negócio (como se gostar de alguém fosse negócio...que patético), sou apaixonada pela minha namorada, amo mesmo... Mas é inevitável evitar o clima de tensão sexual entre eu e essa amiga. É automático, e beira o incontrolável, e dá pra perceber nela a mesma vontade, o mesmo tesão e eu lembro de sentir ela molhada nos meus dedos, no meu sexo, dentre outras loucuras e sofreguidões... E ao mesmo tempo que me sinto mal de lembrar daquilo, me sinto derretendo por dentro, queimando da cintura pra baixo, arrepiando espinha acima e latejando com uma leve umidade onde não deveria estar.
Eu estava aliviada pela ligação da minha namorada, sinceramente. Sabia que não ia poder fazer cagada. Por mais que eu bebesse ou quisesse, com ela ali, ia me conter até a última gota de suor escorrendo pela minha testa. Mas enquanto ela não chegasse ali, eu não relaxei. Fui comprar cigarros, fumei desesperadamente, tentando não sexualizar nenhum assunto, mas era inevitável. Ela falava da namorada dela, que ela queria mudar de sexo, que ela era trans, que toma hormônios, que é ativona/caminhoneira, e que na verdade ela não se incomoda com nada disso, mas no fundo sente muita falta de ser ativa, e blá blá blá... eu já não estava mais ouvindo, só me vinha as imagens dela sendo ativa comigo, e de como era bom.
Aí, em uma tentativa de me manter calma, eu ria nervosamente, tragava mais forte o cigarro, virava o copo de cerveja. E ela ria, sempre... Porque percebia obviamente o tamanho do meu esforço em me conter pra não voar nela. Daí então ela teve uma ideia: toda vez que eu virava o copo, ela virava também. Mas parar de falar em sexo...nada!
Ela acendeu um daqueles cigarros mentolados dela, com aquele cheiro maravilhoso, que me lembrava a casa dela, a cama... minha cabeça estava fervilhando. Levantei e fui no banheiro, usando a minha cistite como desculpa. Normalmente eu sentia vergonha da cistite, mas naquele momento ela me apareceu como uma salvação.
No banheiro quase tomei um banho na pia... molhei mãos, pescoço, rosto. Gastei muito papel pra me enxugar depois, respirei fundo e voltei pra mesa. Minha namorada ligou, falou que tava indo com um amigo nosso que trabalha com ela e eu sorri aliviada de novo.
Voltamos a conversar, mas dessa vez sobre um filme que queríamos ter assistido juntas, Elvis e Madona, um filme brasileiro, que fala sobre o relacionamento de uma travesti com uma lésbica, muito bom (mas tá mais pra comédia romântica do que pra filme cult, na verdade). Então não percebi mais o que eu estava falando, porque cobrei a presença dela no filme (que passou no último dia de um festival, e eu fui assistir com a minha namorada). Por que raios eu fiz isso?
Ela riu, e disse que não deu realmente pra ela ir, mas que a maioria dos amigos dela tinham ido assistir e que já tinham contado pra ela algumas coisas sobre o filme... E desse momento em diante, me tornei uma pessoa irracional. Ela flertava comigo nitidamente e eu flertava de volta. Tudo isso sem encostar nela.
Virei mais uns copos de cerveja, fui mais umas 4 vezes ao banheiro tentar me acalmar, mas eu sabia que eu estava prestes a fazer merda. Voltei pra mesa, e continuamos a conversa insinuativa, minha namorada ligou e avisou que estava indo pra lá. Caguei. Confessei pra minha amiga que não tava mais aguentando ver ela ali, falar sacanagem e não pensar em como o nosso sexo era delicioso, ao que ela me respondeu prontamente que sentia o mesmo... e aí rolou uma breve insinuação dela: "a gente podia marcar alguma coisa pra você ir lá em casa...tem um quartinho sobrando." e é lógico que eu respondi o que eu não devia: "Tem mesmo? Então dá pra alugar? Tá cobrando quanto?" e rimos freneticamente. As duas visivelmente excitadas, fazendo sexo por telepatia, os dentes rangendo, as mãos atrapalhadas e os cigarros acabando.
Ela disse: "Acho que não ia dar certo você morando lá em casa, comigo... vai que eu chego bêbada e tarada, invado o quartinho, e te ataco?" ao que eu, cachorramente, respondi "bem, não seria estupro, porque seria consensual". Pensei na hora "que ótimo! porque não combinar logo a data que você vai trair a sua linda namorada por quem você é apaixonada? marca no aniversário de namoro logo, sua IMBECIL".
Tinha que ME parar de alguma maneira... O celular toca, minha namorada chega, com o nosso amigo, que prontamente entendeu todo o caos (pq ele sabia de todo o trelelê que eu tive com essa amiga antes e da tensão sexual e etc) e sentou-se entre as duas. Minha namorada sentou-se do meu lado e eu a recebi com o beijo mais cheio de desejo que eu pude. Estava molhada, a cabeça a mil, queria arrastar ela pro banheiro a qualquer custo, mas isso seria muito suspeito e minha namorada não é idiota. Aquilo ia me render uma DR de DIAS! Isso sem falar em uma possível greve de sexo.
Bebemos mais, minha namorada querendo ir já no segundo copo e eu querendo ficar por conta de todos os copos que já tinha virado antes dela chegar... Meu amigo tentando criar um clima agradável, e a minha amiga ali conversando com todos, rindo, e de vez em quando me olhando de um jeito que só eu entendia e excluía a todos.
Aquela situação torturante ainda durou um tempo, um par de horas talvez, mas o resumo da ópera: a amiga levantou, pagou sua parte, se despediu de todos com beijos no rosto e votos de um ótimo fim de ano e um excelente começo do próximo e eu fiquei por último. Na minha vez ela falou no meu ouvido "quando quiser, o quartinho tá lá". E foi.
E ao invés de eu ficar quieta, não... Pego o celular do meu amigo pra mandar uma mensagem pra amiga, provocativa, lógico.
E cá estou eu, confessando a minha falta de capacidade de segurar a onda e resistir a uma tensão sexual. E pior: ainda amo minha namorada, ainda estou com ela, mas todos os dias pensando nessa amiga, no quartinho e naqueles beijos.
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